terça-feira, 30 de outubro de 2007

O Ofício


Aquele problema vivido por ele, ninguém o sabia discriminar. Era necessário recorrer a ela.
Dentro daquela humilde casa temida, que mais parecia a entrada para um sacrifício à saída para a esperança, o triste menino e sua avó sofrida mais perdidos ficavam. A curandeira, enfim, surge daquela pequena porta de madeira antiga.
A avó, já desesperada, apela por uma solução. A outra diz não a possuir, com um tom de quem a conhece; seu olhar sutil era revelador. Entretanto, recomenda que o leve ao Circo que chegou aquele Condado. Não havia reza, erva ou remédio para ele, ainda que seu problema não fosse incurável. No entanto, era necessário conhecê-lo. Era necessário conhecer o palhaço.
Em meio a todo aquele campo, o colorido Circo, grandioso, magnífico, era a atração principal. Chegaram ao meio do espetáculo, porém a obrigação para com ele era de extrema importância: questão de vida ou morte.
Fim do show. Todos, como uma manada, saem. E eles entram. Naquele estado, aquele lugar não justificava tamanha alegria. Solitário, mais parecia uma nebulosa tarde de inverno. Por tudo encontram; da foca ao leão; da bailarina à mulher barbada. Disseram-lhe que se encontrava no camarim. Para lá rumaram.
Era tempo de pegá-lo retirando seu nariz vermelho; aquele lindo e perfeito nariz vermelho. Simplesmente pelo fato de olhar para aquele palhaço, o fardo daquele menino parecia ter se ausentado. Aquele mais sincero sorriso já visto, ou melhor, o primeiro de muitos que viriam, deixou claro para sua avó qual era a solução para o problema dele: sorrir.
O palhaço que se encontrava perdido diante das lágrimas da amável senhora encontrava­-se em uma incognita. Sentir-se feliz por aquele apaixonante sorriso ou triste por aquele leve pranto? Não era necessário. Este simbolizava uma expansiva felicidade. De nada sabia. De tudo desconhecia. Mas aquele emudecer era mais sonoro que uma orquestra.
Conversam por minutos que mais pareceram horas. A senhora explicou ao de nariz vermelho o propósito deles naquele lugar. Afinal, era sua função alegrar aos outros, um grande papel social. O ator social.
Alegrar outrem é uma arte; quem a possui tem grande responsabilidade. Entretanto, aquele palhaço alegre, engraçado e feliz escondia um fardo ainda maior. Atrás dele, existe um homem, um ser humano. Sua mãe, a que morava naquela medonha casa, humilhada pelos vizinhos, refugiada da população por manipular a natureza, a última e mais eficaz para tratamento de “doenças”, não podia ajudá-lo. Sua enfermidade, assim, não era passível de cura. Seu tempo era escasso e cronometrado.
Ele, então, resolveu passar o resto de sua vida a ofertar às crianças, aos jovens, aos adultos e aos idosos, sobretudo aos necessitados, seu grande poder: o poder da felicidade. Não sabia o quão mais poderia resistir àquela grande dor interna, na qual o melhor ator sabia como ninguém mascarar. A única certeza era que até seu fim estaria exercendo seu Ofício.
ILuan dos SantosI

domingo, 28 de outubro de 2007

O tudo preciso. Um nada precioso.

Por um segundo fiquei feliz. Vi uma possível solução. O passado, de certa forma, ajudou para tal. Em alguns poucos minutos, percebo que a peça da vez ainda não era eu, que a sorte ainda me faltava. O desejo omitiu a distância. A solidão, o prazer.
IThauan dos SantosI

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Aquela indução


É de uma beleza intensa. E de um rubro que ameaça à mesma proporção. Em meio àquele verde mar, destaca-se. Ofusca o redor com seu brilho intenso. Diante de seu lado, uma outra a mesma imagem e semelhança, porém “oculta” em meio ao verde. São quase gêmeas. Diante da dúvida cruel, o brilho, o belo atrai. Quando o vermelho dos lábios busca contato com aquele, a amargura do destino o abraça e não permite largá-la. É o pecado, de um sabor podre (cuja intensidade supera a de seu brilho). O destino me pôs numa cilada e nela caí. A linda maçã está estragada. A outra, sobretudo, bela, mas de um belo distinto, maduro. A primeira reporta a valorização excessiva dada à beleza – o físico é o selecionador, aquilo que impulsa a vontade alheia. A outra, infelizmente, retrata o sofrimento dos demais. É sábia, determinada e digna, mas posta em segundo plano. É excluída. É humilhada. É o indivíduo acostumado com aquele sorriso meia boca, com aquele comentário, com o “não”. Aquela é priorizada devido à aparência e seu conteúdo pode até estar podre, ou mesmo nulo, contudo, é aquela que terá a primeira chance, o sorriso escancarado. A mídia dita padrões e seus interlocutores dizem, na maioria das vezes, amém sem pensar. Cabe ser vermelho, enquadrando-se nos padrões pré-determinados, nos preconceitos, sendo tímido e não desafiando o seu interior. Ou ser verde, guerreando com a realidade distorcida em que se encontra e sendo esperançoso. Afinal, somos todos iguais. Somos todos humanos.
IThauan dos SantosI

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Misericórdia Divina



Quase tudo via. O azul mais tênue com personagens animados cor de branco, em formatos arredondados, que com ela queriam e teimavam em brincar. Ao seu redor, vultos acelerados deixavam zumbidos por onde passavam. Não estava bem. Prosseguia em seu destino incerto.
No banco da Igreja, ela rogava pela razão. No entanto, a sensação a amava. A paz daquele lugar a reconfortava, mas a solidão exalava de lá.
Ouve um ruído. Os anjos do vitral se movem e também a chamam. É o desejo por companhia que os Clamam por sua presença, enfim.
Em seu dualismo eterno, ela se ajoelha e reza. Porém, não sabe pelo quê. Reza. Entretanto, começa a se sentir dominada pela vontade de conhecer o novo, o belo. Aquela mulher de preto, que de longe a observava e sentia sua questão existencial, aproxima-se e com ela toma uma conversa. A outra, contudo, de cabeça baixa, reluta em mover-se para saber de quem era aquela voz. Só sabia que era de uma boa alma.

- Qual o seu problema, doce jovem?
- Eles querem a mim. Querem mais amigos.
- Calma, meu amor. Quem são eles?

Não conseguia falar, nem sussurrar. Tampouco era necessário: seus olhos a entregavam.
Calou-se.
Deixou-a.
Em meio a tanta perplexidade, resolveu encarar suas questões. Chega de fugir – dizia e gritava consigo mesma. Foi quando pelos escuros corredores daquela majestosa casa Dele, em meio ao silêncio (que só era interrompido pelo seu respirar) ela, aos poucos, ia observando uma luz ascendente. Aquelas escadas, nem as sentiu subindo, vagarosamente.
A sentir aquela dor, preferiu se entregar. No pico da casa da fé, era onde mais se equilibrava, mais se sentia equilibrada. Não se sentia covarde, mas sim completa, realizada. Aquilo que parecia seu maior problema, mostrou-se sua maior solução. Ao seus cabelos esvoaçarem, naquele vento renovador, presenciou a melhor sensação já sentida. Ia, enfim, ser feliz. Tudo via.
ILuan dos SantosI

"METALINGUAGEM"

Sentado, lendo notícias de “O Estado de S. Paulo”, encontrava-me em uma infinitude de palavras, letras e algumas imagens. Aquele vento do fim de tarde trazia com ele lembranças do passado, reflexões sobre o presente e, sobretudo, temores sobre o futuro que estava por vir. Temores... talvez não, mas inseguranças.
Essa brisa me envolvia por um sentimento sinestésico: do mais doce aroma já antes sentido, do melhor sabor até então provado, da mais bela performance das árvores (e das folhas do jornal também) e do toque mais profundo já ocorrido. Tamanha profundidade trouxe-me novamente ao mundo real e me largou em um lago de paradoxos. O principal deles é sobre o viver; o meu modo de viver.
Dominado pela solidão e isolamento e, principalmente, determinado pelo tempo, viveu (e vive ainda para alguns) em uma hipocrisia absoluta (ou quase) que, possivelmente, é uma das causas que justificam seu dilema.
Novos lugares e ambientes, colegas e amigos, sensações e percepções. Muitas vitórias, conquistas e sucesso – “O orgulho da família”. No entanto, não o observam além daquilo que se podia ver; seu interior, portanto, não passava de uma enorme incógnita que ninguém conseguia decifrar. Tampouco ele.


ILuan dos SantosI

FUGA

Acordo em meio ao som e movimentação excessivos. Passei ao estado de solidão. Levantei e me pus a ler. A necessidade e o gosto faziam dessa atividade, terrível para uns, um prazer inenarrável para mim.
Inquieto e disperso estava quando me dei conta que, ainda que a quantidade de amigos e colegas fosse demasiada, algo faltava. A parceira de tal descoberta (?) foi a solidão.
Outro parceiro, o gosto pelos livros, mostrou-se, a princípio, um vilão, mas refletindo melhor a respeito, mostrou-se ainda mais parceiro. Nem ele, que comumente me fazia enxergar melhor outras áreas, e me tornava cego em outras, deixou, pelo menos dessa vez, essa realidade se omitir no tempo e na correria cotidiana.
O mais poderoso patrão do mundo não pára de girar e eu, eu estou aqui, pensando. Penso nas conquistas, nos bons momentos (e nos ruins também). Enfim, penso na vida. Não deixo de pensar nele que atrai olhares constantes para meus pulsos, nele que me surpreende, nele que hoje me fez ser quem sou. No relógio ... no tempo.
Conhecer bem a si mesmo e ter ciência de que algo mais é de merecimento, mas de presente ausência, dói. Dói mais ainda por saber que não sou o único a ter essa ferida assassina. Por saber que ela tem sede de vítimas. Vítimas já sofredoras – umas curadas, outras não. Vítimas futuras. Vítimas que quase ignoram esse pequeno machucado. Vítimas que sofrem com esse câncer maligno.
Olho por além do agitado tecido e da luminosidade contrastante com meu interior momentâneo e sei que existe alguém com a cura de tal ferimento. Uns com a cura parcial. Um com a integridade de tal. Uns, já mencionados, têm a cura, mas não a efetiva - a presença. A palavra, na maioria das vezes, abafa a dor. Um sorriso familiar, idem. O choro também contribui afinal, somos humanos. Nele, mesmo que a cicatrização não se faça, o afogar das angústias se faz de extrema importância. Seu papel, o de um grito.

Lá fora, em algum lugar lá de fora, o milagroso medicamento. Somos peças de um grande jogo. O participante exclusivo, o destino. Somos mudados de casas a todo tempo. Somos ferramentas de uma estratégia maior. Porém, Ele não deixa de estar presente. Poderoso, pois mesmo nesse âmbito macro, ainda se faz marcante. Mascarado pelo pequeno tamanho físico, mas inigualável tamanho ideológico, o patrão se omite na forma de pó de areia. A gravidade atua, mas suas curvas são acentuadas e ele, mal ou bem, dá seu jeito. Quando Ele decide tomar você como peça principal da rodada, mais em suas mãos você fica. Um jogo: um risco. Ganhar ou perder (?). Quando o xeque-mate é da outra equipe, há a perda da partida, mas o aprendizado para uma outra próxima. Quando logo há o grito de vitória, abre-se o sorriso. De repente, foi uma sorte do destino. Uma pena para você. Não existe a experiência necessária ainda. De um jeito ou de outro, você vai sofrer, você vai perder. Jogar, portanto, é sempre de extrema importância.
Mesmo sem grande prática nesse jogo, o jogo da vida, vitórias, sem dúvidas, já foram realizadas – umas com a sabedoria do merecimento, outras, talvez, por uma sorte do mesmo destino. A espera e a busca incessante pelo gol de placa, pela cesta perfeita continuam. Quem sabe sou a peça da vez e terei a sorte grande?!
Para o fim ser perfeito, ou seja, para reprisar o “casaram-se e viveram felizes para sempre”, só resta essa sorte grande vir da experiência. Se vier da sorte do destino, das duas uma: ou a experiência virá com a prática e com os erros, ou ela simplesmente não virá. Será aquela pseudo-vitória, na qual você sorri, mas logo depois se dá conta que vencedor mesmo foi seu inimigo, que mesmo perdendo, levantou a bandeira branca numa situação melhor, a de perdedor, mas de ganhador de uma experiência necessária para te vencer numa próxima vez.
IThauan dos SantosI