Ela cresceu comigo. Esteve comigo desde que, grandinho, segundo dizia minha mãe, comecei a assimilar e me padronizar naquilo que comumente chamamos sociedade. A justificativa mudava com o tempo; ela era cada vez mais cabível com minha capacidade mental, mas, infelizmente, cada vez mais próxima daquilo que sabemos, porém não desejamos. O tempo corria. Ela crescia. Esteve comigo na primeira festinha na escola. Esteve também no primeiro momento em que assinei os documentos da faculdade conquistada com muito esforço financeiro de minha mãe para custear o cursinho.
A comemoração deste fato veio com festa e álcool, o que me rendeu uma lição; o primeiro e único levante de mão dela – minha cara envergonhada virou. Não entendi.
A ausência se fez maior quando não mais tolerava as respostas. Fui à busca. Já dizia o velho ditado “quem procura, acha”. Procurei a verdade e a achei da forma mais crua e nua. Já não era mais aquele órfão que precisava ser bajulado para crescer bem em meio à perda. Ouvi a drástica história da boca daquele homem como se fosse a coisa mais normal de se mencionar e de ser ouvida. Aquele homem que sempre me faltou, que nunca foi na festinha do dia dos pais, que sempre estava viajando a trabalho, era mais um documento em meio aos óbitos.
Não suportei o segredo da mamãe. Tampouco a companheira - a ferida - ardeu e eu, eu cedi.
Mais tarde, o hospital. E lá, Ela aproximou-se. Nervosa, veio se desculpar. Em princípio, a repugnei. Entendi, claro, os devidos porquês que a levaram a essa medida. Desejei saber mais, mas fui precavido. Adjetivos podres fugiram daquele pseudo-sorriso conhecido.
E veio a novela, ainda que com resistência e cuidado. A ferida, a ausência, a mentira mutável para o bem daquele triste filho único, misturavam-se e confundiam-se em ódio, medo e graditão. Graditão à aquela mulher que fez o que devia ter feito para amenizar,ou melhor, adiar uma inevitável dor. Ele, ele era mais um daqueles que gastava o que tinha em bebia e o troco vinha sempre para Ela. A situação foi levada até que as dívidas, bem como as brigas o fizeram fechar seus olhos lá, naquele seu novo lar, que o levou a matar um outro e a si próprio. Fora vítima não de seu vício, mas de suas conseqüências – uma arma gemera. Morreu feliz. Junto ao vidro daqueles copos. Sobre o madeira da sua mesa de estar. No meio daquele povo humilde que, de tanto comentar, fez uma mãe fugir descalça, criança ao colo, sem dinheiro, sem destino, sem saber o que fazer.
À raiva, uma lágrima. Ao desespero, aconchego. Ao álcool, aquela, agora, entendida lição.
IThauan dos SantosI